Suspeita de tráfico na venda de senhas de atendimento
Bissau – Apenas de 48 horas necessita um português para obter um visto para a Guiné-Bissau em Lisboa. Para um guineense obter a resposta a um pedido de visto na embaixada portuguesa em Bissau pode estar sujeito a uma espera de um ano, obrigando muitos guineenses a pernoitarem em frente da embaixada lusa na Guiné apenas para obterem a senha com um número para serem atendidos. Já se fala abertamente de tráfico da venda das senhas de atendimento que envolve várias centenas de milhares de Francos CFA.
Apenas 48 horas são necessárias a um cidadão português para obter um visto que lhe permita viajar para a Guiné-Bissau. Em alguns casos, quando é solicitado com urgência, o visto chega a ser concedido, sem custos suplementares, em 30 minutos, sem que qualquer requisito especial seja solicitado no momento do pedido.
É uma situação que se enquadra perfeitamente nos princípios e no espírito vinculados no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, e nos acordos bilaterais entre a Guiné-Bissau e Portugal.
Todavia a realidade no sentido Bissau -Lisboa é outra, bem diferente e frequentemente tortuosa para os guineenses.
Seria inconcebível um português ter de pernoitar em frente da embaixada da Guiné-Bissau para obter a senha de atendimento, a fim de entregar os formulários para um pedido de visto. No entanto, os guineenses são obrigados a pernoitar em frente da embaixada lusa em Bissau.
Entre um mês, no mínimo, a nove meses e, alguns casos, até um ano é o tempo que os guineenses têm de esperar para saberem se a resposta ao seu pedido de visto para Portugal foi aceite ou recusado. Assinale-se que na maior parte dos casos é recusado, ou então o pedido é «arrastado» por longos períodos de tempo, até o requerente desistir definitivamente do visto.
Cerca de duas dezenas de pessoas pernoitam todas as semanas em frente da embaixada de Portugal na noite de domingo para segunda-feira e na noite de terça-feira, dado que a embaixada apenas recebe os «candidatos» aos vistos à segunda e terça. O facto da embaixada apenas receber vinte pessoas por cada dia reservado à recepção do formulário e respectivos documentos (na foto), resultando em quarenta pedidos por semana, provoca um cenário deprimente: longas filas de espera na rua acumulam guineenses que derretem ao sol debaixo de temperaturas que podem variar de 35 a 40 graus, unicamente para tentarem obter um visto ou simples autentificação de documentos.
Esta situação gerou imediatamente um «tráfico» de senhas de atendimento, que são vendidas durante a noite por crianças a mando de funcionários da embaixada lusa. «É uma rede bem organizada, funcionários da embaixada utilizam as crianças para não serem directamente acusados deste tráfico» declarou um guineense que pediu o anonimato, confirmando que as senhas podem ser adquiridas secretamente na embaixada a partir da quinta e sexta-feira anteriores à segunda-feira de recepção dos dossiers de pedido de visto.
Entre 10 mil e 15 mil francos CFA, cerca de 15 a 23 euros, é o «preço» das senhas praticado à porta da embaixada, ao qual é acrescido o pagamento na entrega da documentação. Este montante que pode atingir no mínimo 21 mil francos CFA, cerca de 32 euros, o equivalente a um pequeno salário na Guiné-Bissau. O «tráfico» de senhas consegue gerar até 180 mil francos CFA, cerca de 277 euros por dia, o que corresponde a um salário de Director Geral neste país, e cerca de 360 mil francos CFA por semana, aproximadamente 553 euros.
O inferno vivido pelos guineenses que necessitam de obter um visto, assim como o «tráfico» das senhas de atendimento, é amplamente conhecido na Guiné-Bissau, uma situação agravada pelo lamentável tratamento de que os guineenses são alvo no interior da embaixada, tal como confirmaram várias testemunhas.
A Rádio Pindjigiti, através do seu popular programa matinal «Bom-dia Bissau», tem denunciado os excessos e irregularidades praticados pela embaixada de Portugal. Segundo o responsável do programa, o jornalista Sumba Nansil, a embaixada de Portugal foi diversas vezes contactada pela sua antena a fim de solicitar resposta e reacção às múltiplas acusações de que tem sido objecto, mas sem sucesso. A representação diplomática lusa fecha-se num silêncio sepulcral protegido por vários responsáveis da comunicação social, que preferem não abordar a denunciar a situação, temendo serem alvo de represálias da embaixada, que lhes poderia, precisamente, recusar um futuro visto.
O «escândalo dos vistos» adquiriu agora uma nova dimensão quando Mamasamba Seide, avô de uma criança de nove anos, que necessita de tratamento médico urgente em Portugal, denunciou que o seu neto está há mais de quatro meses a agoniar à espera do visto. Nem com a intervenção do Ministério da Saúde guineense a situação foi desbloqueada. Através da antena da Rádio Pindjigiti, Mamasamba Seide ameaçou então, se o seu neto morrer enquanto espera o visto, que colocará o cadáver da criança à porta da embaixada de Portugal em Bissau.
Rui Neumann
(c) PNN Portuguese News Network
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