sábado, 6 de outubro de 2007

Kaufmann: ''A longo prazo, o controle da corrupção é crucial para o crescimento e o desenvolvimento "

ENTREVISTA com D. KAUFMANN

“Siga o dinheiro”

Assim o Brasil descobrirá o caminho para reduzir a corrupção. Vencer essa guerra é essencial para o país crescer, diz o diretor do Banco Mundial

Durante o caso Watergate, quando o jornalista Bob Woodward estava tendo dificuldade de juntar as pontas para decifrar o esquema de corrupção no governo Richard Nixon, ele ouviu um conselho célebre de Mark Felt, sua fonte de informações no FBI, tornada famosa pelo apelido Garganta Profunda. "Follow the money" (Siga o dinheiro), disse Felt. Woodward e Carl Bernstein, seu parceiro no jornal Washington Post, seguiram a trilha do dinheiro e abriram o caminho da renúncia de Nixon à Presidência dos Estados Unidos. Três décadas depois, o mesmo conselho é dado ao Brasil por Daniel Kaufmann, diretor de governança global do Banco Mundial e uma das maiores autoridades do mundo em combate à corrupção. Essa é a receita de Kaufmann para evitar a proliferação de escândalos como o das sanguessugas do Orçamento. O monitoramento independente e constante do caminho do dinheiro público - para saber onde ele vai parar - é uma das melhores fórmulas para tornar o controle orçamentário mais rígido e transparente. Para o economista, se as lideranças políticas tiverem vontade e tomarem as medidas corretas, é possível num prazo de oito anos reduzir a corrupção no Brasil aos níveis toleráveis de países mais desenvolvidos.

Quem é ele ?

Economista formado na Universidade Hebraica de Jerusalém, com mestrado e doutorado em Harvard

O que ele faz ?

É diretor do Banco Mundial, especialista em reforma do sector público, governança e combate à corrupção.

ÉPOCA - O Parlamento brasileiro vive uma crise sem precedentes por causa da corrupção. Qual pode ser a conseqüência da desmoralização do Legislativo?

Daniel Kaufmann - Se o Executivo não é cobrado pelo Congresso, isso já é um sinal de corrupção. É extremamente importante que haja um Parlamento com integridade, com comissões sérias para controle orçamentário, para cuidar das contas públicas com transparência, para criar comissões anticorrupção e desafiar o Poder Executivo. Isso garante o equilíbrio do Estado.

ÉPOCA - O que pode ser feito para controlar o Orçamento e evitar a corrupção?

Kaufmann - O Orçamento pode ser uma grande fonte de corrupção. Nos Estados Unidos, há muitos anos um ladrão de bancos foi pego e questionado por que fazia aquilo. "É ali que o dinheiro está", respondeu. É o mesmo raciocínio em relação ao Orçamento. É um lugar óbvio para o corrupto concentrar o foco. Uma boa fórmula de começar a controlar o Orçamento e evitar a corrupção é: siga o dinheiro. Uma ferramenta importante usada por vários países é o levantamento e rastreamento de despesas públicas. Por exemplo: o governo destina dinheiro à educação. Esse levantamento independente é feito por uma instituição fora do governo. Ela vai a um número de escolas para descobrir quanto foi recebido e como o dinheiro é usado. Em alguns casos, há o envolvimento da associação da comunidade no processo. Em países onde isso aconteceu, foi descoberta uma grande diferença entre o valor que deveria ser enviado e o valor que as escolas receberam. É preciso monitoramento claro e transparente de gastos.

ÉPOCA - Existe uma receita para combater a corrupção?

Kaufmann - Há ferramentas para diagnosticar quais os maiores problemas de corrupção num país. Recentemente, aconselhamos autoridades da Guatemala e do Quênia. Nós os ajudamos com pesquisas sobre seus cidadãos, usuários de serviços e empresas. Os servidores públicos fizeram suas pesquisas, um relatório detalhado dos problemas, para um diagnóstico. É assim que as prioridades são destacadas. Deve haver vontade política por parte das lideranças. Não apenas do líder do país, mas também no Parlamento, no Judiciário, na sociedade civil e no setor privado.

ÉPOCA - Que países obtiveram sucesso nessa luta?

Kaufmann - Países como os Estados Unidos eram extremamente corruptos no passado. A polícia de Nova York era dominada pela corrupção. O Reino Unido também foi corrupto e levou cem anos para melhorar. Há casos como Chile e Botsuana, que apresentam níveis mais baixos de corrupção que alguns países desenvolvidos.

ÉPOCA - Como eles reduziram a corrupção?

Kaufmann - Eles tiveram ações de combate apoiadas pela vontade política de lideranças. A corrupção é tipicamente um sintoma de fraqueza em algumas áreas de governança. Em alguns países, e não é o caso do Brasil, há pouca responsabilidade democrática e liberdade de imprensa. No Leste Asiático e na antiga União Soviética, havia restrições à imprensa e às liberdades civis. Aquela velha noção de que devemos apenas acreditar em instituições governamentais não funciona.

ÉPOCA - Como o Brasil está em relação ao resto do mundo?

Kaufmann - O Brasil está na média. Podemos dizer que o copo está "meio cheio". De acordo com nossos indicadores, para o Brasil não acendeu a luz vermelha. Está sempre amarela. Em termos de indicadores de governança (o Banco Mundial avalia 204 países quanto à corrupção), o Brasil está exatamente no meio, na 100a posição. Então podemos dizer que o copo está meio cheio. Por outro lado, podemos dizer que está meio vazio. É uma pergunta que os brasileiros devem fazer. Onde queremos estar? Por que o Brasil não tem uma luz verde? Progresso significativo é possível. Isso aconteceu no Chile, em Botsuana e em países do Leste Europeu. Eles estão ficando cada vez mais verdes. Não acontece da noite para o dia, porque não se pode transformar uma Guiné Equatorial numa Finlândia rapidamente. Mas também não é necessário esperar 30 ou 50 anos. Em um período entre seis e oito anos, um país pode mudar.

''A longo prazo, o controle da corrupção é crucial para o crescimento e o desenvolvimento. Um país com muita corrupção é mais vulnerável a crises econômicas''

ÉPOCA - Então reduzir significativamente a corrupção não é um processo demorado?

Kaufmann - É possível com reformas e vontade política. O importante é ver que o Brasil está na média. Deixo a pergunta: o copo está meio cheio ou meio vazio? Poderíamos fazer a mesma pergunta sobre a Índia e o México. Eles estão na mesma situação. Brasil, México e Índia são poderosas economias emergentes. São avaliados como medianos em termos de governança e corrupção. Estão no meio do grupo. Não é suficiente estar satisfeito com um copo meio cheio. É necessário olhar ambiciosamente para a parte que está vazia e perguntar como estaremos em dez anos.

ÉPOCA - Há algum exemplo de país corrupto que tenha atingido alto estágio de desenvolvimento?

Kaufmann - A longo prazo, o controle da corrupção é crucial para o crescimento e para o desenvolvimento. Isso não quer dizer que alguns países não tenham momentos de crescimento com índice alto de corrupção. Mas por períodos de dez anos, no máximo. Vimos que Bangladesh apresentou boa performance de crescimento, mas tem sérios problemas de corrupção e governança. Perguntam-me sempre como países como a Indonésia cresceram rapidamente com sérios problemas de corrupção. Mas a Indonésia quebrou. Um país com muita corrupção é mais vulnerável e exposto a crises econômicas.

ÉPOCA - A internet é uma arma contra corruptos?

Kaufmann - Sim. Atualmente, há uma ênfase maior nas medidas de transparência. Por exemplo, um site para checar os bens e a renda dos políticos, outro para checar qual político votou em qual lei e um terceiro mostrando que grande empresa ou empresário contribuiu para aquele político. Tudo de forma organizada para o eleitor se acostumar a navegar pelo site. Precisamos lembrar que existe o outro lado da moeda. A internet é inteligentemente usada como ferramenta pelo crime organizado. Não há como escapar do uso dela para combatê-lo.

ÉPOCA - A corrupção pode ser uma ameaça para a democracia?

Kaufmann - Sim. A corrupção enfraquece a legitimidade das instituições democráticas aos olhos dos cidadãos. Onde há mais corrupção, os cidadãos participam menos nas instituições democráticas. Felizmente, os cidadãos da América Latina não pensam em alternativas à democracia. Mas mostram claramente que seu apoio a ela é menor quando há mais corrupção. Os contribuintes sabem que os impostos não serão usados no fornecimento dos serviços públicos que esperam e estarão menos propensos a pagá-los. Isso diminui a renda do Estado.